"Devemos escrever para nós mesmos, é assim que poderemos chegar aos outros!"
Eugène Ionesco

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Entre a China e Portugal.

O meu nome é Chang, que em chinês significa “livre”. Tenho 18 anos e sou natural da China, da cidade de Pequim. Provenho de uma pequena família, o meu pai tinha um pequeno salão de chá e a minha mãe era doméstica. Como é de imaginar, sou filha única, devido à política chinesa do filho único, ainda para mais sendo rapariga. Desde pequena que sempre tive a oportunidade (não tão frequente quanto isso) de estudar numa boa escola chinesa, tendo assim podido acabar o liceu. Quando estava prestes a entrar para a melhor universidade do país, a Universidade de Nanjing, o meu pai recebeu uma proposta de um dos seus fornecedores de ir trabalhar para Portugal. Para mim foi um pouco difícil ter que deixar o meu país e as minhas amizades, mas não tive alternativa.
Então, fizemos as malas e embarcamos uma semana depois…
Chegando a Portugal, e uma vez instalados, tratei de fazer a minha inscrição na Universidade da cidade onde iria ficar, Aveiro, e passei os restantes dias de férias a conhecer a zona.
Foi bastante difícil a minha ambientação a este novo país. Tudo era diferente do meu, e o que mais me impressionou foi o facto de, por tradição, se usar garfo e faca para comer, o que na China seria considerado quase como um insulto. Sim, mesmo na capital Pequim as famílias tradicionais ainda comem de pauzinhos, pois leva-se as tradições muito a serio. Também verifiquei, nesta grande cidade, que as pessoas não têm muitos hábitos religiosos, o que no meu país não acontece. A minha família é tradicionalmente budista. O que nem toda a gente sabe, é que o budismo não é uma religião, pois não existe um deus criador, é mais como uma filosofia de vida cujo objectivo é atingir a felicidade eterna. As minhas práticas budistas neste sentido suscitaram muita curiosidade e interesse na minha nova Universidade. Cheguei mesmo numa altura de eleições legislativas, o que também foi uma surpresa para mim; apesar de nem eu nem os meus pais podermos ainda votar, a cidade foi invadida de campanhas de inúmeros partidos, e por todo o lado só se falava de eleições. Já tinha a percepção de que os países ocidentais eram mais liberais neste aspecto do que a China, mas nunca pensei que a diferença fosse tanta. No meu país, apenas existe um partido, o Partido Comunista Chinês, que permanece no poder pelo que parece ser uma eternidade, visto que controla toda e qualquer liberdade de expressão, principalmente forças que lhe queiram fazer frente. Também não é comum ouvir falar tão mal dos chefes governativos como eu ouço aqui em Portugal.
Em relação à língua, não tive muita dificuldade em me adaptar pois, visto que o meu pai mantinha relações comerciais com portugueses, desde pequena fui habituada a recebe-los em casa e a estar em contacto com esta língua.
Outra coisa que me deixou espantada foi a quantidade de lojas chinesas que existiam. Sabia já que a China se está a tornar numa das maiores potências mundiais, mas nunca pensei que as lojas se seguissem umas às outras pelas ruas fora! Isto também me entristeceu, pois quanto mais lojas foram abertas, mais quantidade de produtos é necessário fabricar, o que implica uma intensificação da exploração de mão-de-obra infantil. Infelizmente, já tive oportunidade de visitar uma destas fábricas na China, e fiquei chocada com a forma como as crianças de tenra idade são forçadas a trabalhar até à exaustão, em condições sobre-humanas, sendo que muitas acabam por morrer.
Aparte destes contrastes culturais entre a China e Portugal, gostei bastante de conhecer uma nova cultura e fui muito bem recebida, quer na cidade pelos meus vizinhos, quer na própria Universidade. A minha experiência em Portugal durou 3 anos, o tempo de acabar o curso, e depois voltámos para a China, mas sem dúvida este foi um dos períodos mais marcantes da minha vida.

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