"Devemos escrever para nós mesmos, é assim que poderemos chegar aos outros!"
Eugène Ionesco

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Uma breve história da minha vida...

Era eu um rapaz de cinco anos, quando os meus pais morreram num acidente rodoviário, eu não tinha mais família e mandaram-me para uma instituição. Quando um dia, tinha eu na altura dez anos, recebi a notícia de que eu iria ser adoptado por um casal chinês e que estavam prestes a me virem buscar. Chorei aos gritos, pois a ideia de ir para outro país com dois estranhos, deixando para sempre os meus grandes amigos e as assistentes sociais de quem gostava muito, era assustadora, o meu coração parecia que me iria sair pela boca. Ainda por cima, disseram-me que na China comiam-se rãs, cães, gatos, enfim, coisas nojentas.

Chegou o momento de eles me virem buscar, da janela do meu quarto vi o táxi com o casal chinês a sair do táxi, abraço fortemente os meus amigos, pego nas minhas malas e despeço-me deles, com as lágrimas a caírem-me da cara. As assistentes levam-me em direcção ao casal, à minha nova mãe com o nome de Zhang e ao meu novo pai chamado Jing, aperto cada uma das minhas mãos com medo, vejo o tal casal a sorrir para mim, olham-me como se eu fosse um bebé, despeço-me das assistentes, digo adeus a tudo e fixo bem na minha mente, aquela imagem do que era o “centro” e o que significava para mim.

No aeroporto de Lisboa, ainda o avião não tinha levantado voo, e eu ainda estava a olhar para tudo e para todos, parecia-me outro mundo, tudo para mim era novo, olhava admirado para os aviões, pela janela do avião, a chegarem, outros a partirem, e os meus novos pais sempre a falarem comigo, para meu espanto sabiam falar português e eu acanhado falava pouco, falavam sobre o emprego deles, sobre o que gostavam, já eu, falava sobre os meus gostos, sobre os meus amigos de Portugal, etc… O meu pai era dono de uma fábrica e a minha mãe era médica.

Chegado ao aeroporto de Xangai, abri a boca de tanta admiração, vi a enorme quantidade de pessoas à minha volta para onde quer que eu olhasse, a ultrapassarem-se, a empurrarem-se, pareciam formigas, tudo “aninhado”. Jing e Zhang me levavam para a minha nova casa, era um apartamento com 10 andares situada no centro de Xangai, disseram-me também que a cozinha em algumas casas era um lugar bastante gorduroso, mas que na minha nova casa era mais limpa, até porque a Zhang preocupava-se muito com a limpeza, tinha também 2 quartos e 2 salas e o ar condicionado, os computadores, os telemóveis e os televisores planos, estão por todo o lado, mas é curioso verificar que toda esta tecnologia, convive com formas mais antigas de viver. Por exemplo, neste momento, como é verão, todos os sofás estão cobertos de esteiras de bambu, inclusive, Jing e Zhang dormem sobre essas esteiras porque crêem que são mais frescas.

Um facto curioso é a forma de estender a roupa depois de lavada: a roupa é directamente colocada em cruzetas no estendal e que depois são arrumadas no armário. Não se usa ferro de engomar.
Um outro facto curioso que vi nas ruas de Xangai foi: os rapazes transportarem a carteira das namoradas, pois (pelo que os meus pais explicaram) “as jovens são frágeis e devem ser bem cuidadas”. Crenças!!

Nesse dia, eram já 18 horas e eu encontrava-me na minha nova casa, a observar para “tudo o que era canto” até que ouço os meus pais a chamarem-me para ir jantar, quando chego à mesa, para minha surpresa, encontrava-se arroz branco cozido a vapor numa panela especial, que é base da comida, acompanhado por diversos pratos de comida frita: vegetais e tofu, partes estranhas de animais, caracóis e peixe. E ainda por cima comia-se tudo por pauzinhos, por isso cheguei a atirar comida para o chão, por não estar habituado a esta maneira complicada de comer. Os meus pais explicaram-me que a cultura chinesa considera o uso de facas e garfos à mesa como uma coisa bárbara, uma vez que esses, são vistos como armas. A princípio foi difícil de aceitar este tipo de comida, mas depois pouco a pouco lá consegui comer, tornou-se um hábito. Apesar de que cuspir os ossos para cima da mesa ou arrotar são costumes que nos podem chocar, mas que fazem parte da cultura chinesa. Depois do jantar, Jing recolhe a mesa e todos nós nos sentamos no sofá, em frente do LCD, cada um com o seu computador. No computador, vêem-se filmes e joga-se na bolsa.
Jogar na bolsa é muito comum na China, inclusive entre as pessoas mais velhas.

Em Xangai amanhece as 4h da manha, acordei logo com a claridade do dia, ainda tentei durante algumas horas dormir outra vez, mas foi em vão, não consegui.
Tomei o meu primeiro pequeno-almoço da China, a mesa possuía uma larga variedade de comida frita, sopas e ovos. Foi impossível para mim, comer tais coisas ao pequeno-almoço, daí ter pedido à Zhang para ir me comprar sumo de laranja, pão e geleia de morango. Foi o que pedi daí para a frente para todos os pequenos-almoços.

Tive o meu primeiro dia de aulas, foi difícil complicado ter amigos nos primeiros dias, visto ser o única pessoa a falar português na minha turma, não entendia nada do que os outros falavam, nos intervalos, sentava-me à beira das salas e apenas ouvia música e desenhava, distante de tudo, afogado nos meus pensamentos. Ao fim de uma semana, estava eu num momento desses e sentou-se uma rapariga à minha beira, que falava um bocado português. Por esse facto, ela poucos dias depois foi transferida para a minha turma e por ai adiante ajudou-me a perceber o que os meus professores falavam e também estudava comigo. Chamava-se Lan e tinha pai português e mãe chinesa, daí saber falar um pouco português (o suficiente para se perceber).

Era já fim-de-semana, e os meus pais levantaram-se por volta das 6 horas e acordaram-me, pois iríamos nesse dia passear para o parque. Os parques na China são locais de diversas actividades desde o início do dia: tai chi, danças de salão, badmington, karaoke, jogos de cartas, lançar papagaios, praticar artes marciais…enfim há actividades para todos os gostos. São hábitos que fazem parte da vida quotidiana da China. E os jantares ou os almoços em restaurantes com amigos ou colegas de trabalho raramente se proporcionam, daí termos vindo almoçar a casa nesse dia.

Em Xangai, depois de tantas noites a olhar para a rua a pensar nos amigos que tinha em Portugal e em toda a minha vida, reparei que os prédios surgem (e desaparecem) do dia para a noite, o trânsito parece dobrar toda a semana e a cidade se agita. Isso tudo é Lujiazui, que forma uma península numa curva do rio Huangpu, que vira do norte fluente ao Leste fluente. Na margem leste do rio Huangpu, chamada de Pudong está a Manhattan chinesa, uma floresta de arranha-céus, todos construídos nos últimos dez anos. Os meus pais disseram-me que, antes disso, tudo era uma área rural. Aí se pode encontrar a Oriental Pearl Tower e o Jinmao Tower, sendo os edifícios mais altos de Xangai.
Em frente à Lujiazui está o Bund, um velho distrito financeiro e de negócios de Xangai com antigos bancos, casas de comércio e hotéis, onde se pode encontrar o Peace Hotel e o antigo prédio do HSBC (hoje Pudong Development Bank). A história de Xangai bem como os monumentos de Xangai está reunido no Museu da História de Xangai, da qual visitei e adorei. Sítios como estes são magníficos, eu ficava parvo a olhar para aquilo.

Acho que pouco a pouco, me senti um chinês, era um sítio agradável, apesar da grande diferença de culturas, tudo era magnífico, fiquei mesmo sem palavras.

Hoje penso que a minha vida estabilizou-se na China, os meus pais são super atenciosos comigo, já que a família (pelo menos em Xangai) é um valor muito importante e característico. Quanto a Portugal, um dia matarei saudades dos meus amigos e das assistentes sociais, mas estarei em Portugal apenas de visita, por enquanto comunicarei com eles pela internet, como tenho feito até aqui.

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